Artigo ODS no Jornal da Orla
https://jornaldaorla.com.br/noticias/jornal/20-outubro-2025-n-3-199/
Aprendi o significado de mottainai muito cedo, quando ouvi essa palavra pela primeira vez da minha avó. Naquele momento, senti um misto de vergonha por estar desperdiçando comida, algo que ela sempre valorizava muito. Mottainai não era apenas uma palavra; era quase uma repreensão, expressa com firmeza e carregada de uma sensação de pesar diante do desperdício. Para ela, cada recurso possuía um valor intrínseco, e desperdiçá-lo era uma falta de respeito não apenas com os esforços de quem o produziu, mas com a própria natureza.
Quando fui trabalhar no Japão em 1991 como denkiya-san (eletricista de construção civil), descobri que a expressão mottainai ia muito além do desperdício de alimentos. Ela permeava praticamente todos os aspectos da vida diária. Vi seu significado refletido no cuidado em não desperdiçar materiais de trabalho ou no uso eficiente do tempo. É uma filosofia que orienta atitudes e práticas, destacando a importância de valorizar cada recurso disponível.
O termo mottainai tem raízes profundas na cultura japonesa e reflete conceitos tradicionais que se entrelaçam com valores budistas e xintoístas. Ele surgiu como uma expressão de respeito pela natureza e pelos recursos disponíveis, baseando-se na ideia de que tudo no mundo tem um propósito e merece ser valorizado.
No budismo, o conceito de mottainai está relacionado ao princípio de interdependência, que ensina que tudo está conectado. Portanto, desperdiçar algo não é apenas uma perda material, mas também um desrespeito ao esforço e à energia investidos na criação daquele recurso. Já no xintoísmo, a forte reverência pela natureza reforça a importância de evitar o desperdício como uma forma de honrar os espíritos (kami) presentes em tudo ao nosso redor.
Historicamente, mottainai foi uma resposta à necessidade de sobrevivência em tempos de escassez no Japão, quando se tornou essencial reutilizar e conservar recursos para sustentar a comunidade. Apesar de suas origens antigas, o termo ganhou maior notoriedade global no século XXI, especialmente por meio da ambientalista queniana Wangari Maathai, que popularizou mottainai como um lema para promover a sustentabilidade e a redução do desperdício ao redor do mundo.
Em novembro de 2002, a revista japonesa Look Japan lançou um documentário intitulado Restyling Japan: Revival of the ‘Mottainai’ Spirit. O filme destacava diversas iniciativas destinadas a resgatar o valor da preservação e reutilização no Japão. Entre elas, estavam projetos de trabalho voluntário em um hospital de brinquedos, cujo objetivo era ensinar às crianças a importância de cuidar de seus pertences. O documentário também explorava o renascimento de oficinas dedicadas à restauração de itens, incluindo aparelhos domésticos e roupas infantis, além de iniciativas de reciclagem de materiais como garrafas PET e óleo de cozinha usado. Mais amplamente, o documentário abordava esforços para combater a cultura do descarte, incentivando práticas que prolongassem a vida útil de objetos que, à primeira vista, pareciam não ter mais utilidade.
A filosofia de mottainai nos convida a repensar nossas escolhas diárias. Ela ressoa com os ODS, mostrando que soluções para desafios globais podem ser inspiradas em valores culturais. Ao integrar mottainai em nossas vidas, fortalecemos a conexão entre as pessoas e o planeta. Esse conceito demonstra como a sabedoria tradicional japonesa pode ser uma força poderosa para o progresso global.
Diante de tudo, me perguntei:
Quantas horas deixamos escorrer entre os dedos sem propósito?
Quantos instantes se perdem na pressa, na distração, na ausência de presença?
Desperdiçar tempo é desperdiçar vida.
É ignorar o valor de cada segundo que poderia ser vivido com intenção, afeto e significado.
Mottainai nos ensina que tudo está interligado.
Que o tempo não vivido com sabedoria não retorna.
Que cada minuto tem um sentido — mesmo que seja o descanso, o silêncio, o cuidado com o outro.
Honrar o tempo é honrar a nossa existência.
É perceber que até o que parece pequeno carrega grandeza.
É transformar o cotidiano em ritual, e o agora em eternidade.
Antes de dizer “não tenho tempo”, pergunte-se:
O que estou fazendo com o tempo que tenho?
Mottainai não é apenas sobre evitar o desperdício.
É sobre viver com reverência.
Com presença.
Com propósito.
Fábio Tatsubô
Coordenador Regional do Movimento Nacional ODS SP



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