Wabi-Sabi e os ODS: A simplicidade que inspira um mundo mais simples e duradouro

Tem hábitos que ninguém me ensinou. As coisas sempre duraram comigo. Até poucos meses atrás, eu ainda usava uma TV de tubo. Meu irmão vivia dizendo pra eu trocar, mas eu respondia que aquela TV tinha acompanhado nossa adolescência — e que só me desprenderia dela quando realmente não tivesse mais conserto. Meu moletom da década de 90 continua firme e forte — e segue sendo meu companheiro até hoje. Nunca foi por economia ou apego material. É que, pra mim, o tempo dá valor às coisas.

Foi numa conversa com meu amigo de infância, o queridão Alessandro Padin, que descobri que esse jeito de viver tem nome: Wabi-Sabi. Ele me apresentou esse conceito japonês que celebra o imperfeito, o antigo, o simples. E ali, naquela conversa de anos atrás, tudo fez sentido. Sem saber, eu já vivia o Wabi-Sabi.

A beleza das coisas que resistem. O encanto do que envelhece com dignidade. A poesia do que não precisa ser novo pra ser valioso.

O wabi-sabi (侘寂) representa uma filosofia estética profundamente arraigada na tradição japonesa, revela a harmonia presente na transitoriedade da vida e nas imperfeições que acompanham o tempo. Em vez de buscar a perfeição polida, esse conceito nos convida a valorizar o desgaste natural, o silêncio contemplativo e a simplicidade dos objetos e momentos que compõem o cotidiano.

Se por um lado, o pensamento ocidental muitas vezes exalta o luxo, a simetria e a ornamentação, o olhar japonês, guiado pelo wabi-sabi, celebra o espaço vazio, a modéstia e as marcas deixadas pelas estações — como uma tigela lascada que adquire mais significado com o uso, ou uma paisagem de outono que reflete o ciclo inevitável da vida.

O ideograma ‘wabi’ significa: quietude voluntária, modéstia, rusticidade e conexão com a natureza. Refere-se à vida simples e ao acolhimento da insuficiência como virtude; ‘sabi’ representa a simplicidade melancólica, beleza da passagem do tempo, e apreço pela maturidade e pelo desgaste natural das coisas. Evoca o valor daquilo que envelhece com dignidade. Na prática contemporânea, no entanto, essas ideias se fundem, ganhando popularidade fora do Japão como símbolo de uma visão mais introspectiva e consciente

Compreender esse conceito não exige explicações técnicas, mas sim sensibilidade: é uma experiência intuitiva que propõe uma reconexão com o essencial. Esta concepção, muitas vezes descrita como a beleza do “aceitação da imperfeição, da transitoriedade e da incompletude — tanto nos objetos quanto nas pessoas”, surgiu no Japão no século XVI, durante o período Muromachi, fundamentada nas práticas do Zen budismo.

A filosofia ganhou expressão marcante por meio da cerimônia do chá, introduzida por Sen no Rikyu, onde o ritual valorizava o despojamento, a quietude e a introspecção. Essa prática, adotada até mesmo por samurais, transformou-se em uma forma de contemplação profunda — quase uma “religião do esteticismo”, voltada à adoração da beleza escondida nos aspectos simples da vida cotidiana.

Conceitos-chave dessa filosofia é a aceitação da imperfeição: não há obsessão pela simetria ou perfeição. As rachaduras e marcas tornam os objetos mais autênticos; a valorização do tempo, o envelhecimento é respeitado como narrativa visual — a madeira gasta, a cerâmica trincada, tudo conta uma história; simplicidade e naturalidade nos ambientes, objetos e atitudes conectados ao essencial, livres do excesso; e a apreciação do impermanente: tudo passa, tudo muda — e é nisso que reside a beleza do efêmero.

O Wabi-Sabi na vida cotidiana pode ser vista no ambiente em que vivemos com a utilização da madeira crua, cerâmica artesanal, objetos com história e ambientes monocromáticos e tranquilos. No estilo de vida: viver com menos, valorizar o cotidiano, desacelerar e aceitar as mudanças como parte da jornada. No artesanato, valorizando o que é feito à mão e a singularidade de cada peça — imperfeições tornam cada criação única.

No Wabi-Sabi, até um vaso quebrado pode se tornar mais belo após o conserto. As marcas da reparação — sejam rachaduras visíveis ou remendos artesanais — não são escondidas, mas celebradas. Elas contam a história do objeto, revelam sua resiliência e tornam sua imperfeição parte essencial da sua beleza. Assim como na técnica japonesa do kintsugi, que usa ouro para unir os pedaços quebrados, essa filosofia nos ensina que as cicatrizes não diminuem o valor — elas o ampliam.

Sua relação com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) é profunda:

ODS 3 – Saúde e Bem-estar: promove equilíbrio emocional com uma vida mais lenta e presente; ODS 8 – Trabalho Decente e Crescimento Econômico: fortalece economias criativas e o trabalho justo; ODS 10 – Redução das Desigualdades: celebra o imperfeito, favorecendo inclusão e diversidade; ODS 11 – Cidades e Comunidades Sustentáveis: inspira ambientes urbanos mais simples, ecológicos e conectados à cultura local; ODS 12 – Consumo e Produção Responsáveis: valoriza o reaproveitamento, o artesanal e o uso consciente; e ODS 13 – Ação Climática: propõe um estilo de vida com menor pegada de carbono.

O Wabi-Sabi nos ensina a viver com menos pressa, menos exigência e mais atenção ao que realmente importa. Ao abraçar a imperfeição e o despojamento com carinho, ele se alinha com os caminhos que os ODS propõem — por um mundo mais equilibrado, baseado na simplicidade.

Fábio Tatsubô
Movimento Nacional ODS SP – Comitê Santos


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