Por Marcos Libório, engenheiro e especialista em energia
À medida que o debate global sobre energias limpas se torna mais complexo e lento, cresce a percepção de que a transição necessária para garantir condições mínimas de habitabilidade no planeta não pode mais depender exclusivamente de acordos internacionais. A governança global patina. A agenda climática sofre retrocessos. A geopolítica fragmentada impede consensos. O mundo parece caminhar com passos pesados, burocráticos, por vezes arrastados.
Enquanto isso, as cidades, organismos vivos, dinâmicos, vulneráveis e resilientes, seguem respirando urgência. É nelas que os impactos ambientais se materializam com força: ondas de calor que pressionam os sistemas de saúde, eventos extremos que desestabilizam infraestruturas, energia cada vez mais cara afetando competitividade, desigualdades ampliadas pela falta de acesso a soluções modernas. É justamente por isso que, quando o macro hesita, o micro precisa avançar. E precisamos pensar nas pessoas, rápido.
Cidades são grandes consumidoras de energia. Cerca de 70% de toda energia demandada no planeta é consumida em áreas urbanas. Portanto, não há como discutir sustentabilidade sem discutir energia e não há como discutir energia sem colocar os municípios no centro das decisões.
Energia Limpa e Acessível desempenha um papel estratégico na transição para modelos urbanos mais sustentáveis. Trata-se de um objetivo global, mas cuja implementação é profundamente local. A matriz energética de uma cidade influencia diretamente sua saúde ambiental, sua eficiência econômica e sua qualidade de vida.
O território urbano funciona como campo de inovação e implementação. Os municípios detêm uma vantagem que os organismos internacionais não possuem: a capacidade de transformar imediatamente diagnóstico em ação. Uma decisão tomada no nível local repercute no cotidiano em semanas ou meses, e não em ciclos diplomáticos de décadas. A cidade é o laboratório real do século XXI. É nela que tecnologias são testadas, que modelos regulatórios emergem, que parcerias público-privadas ganham tração e que mudanças de comportamento se consolidam. Essa agilidade permite que políticas de energia limpa, alinhadas ao ODS 7, sejam implementadas com maior precisão, adaptadas às necessidades do território e acompanhadas de perto pela população. E numa era em que eventos extremos se intensificam e o custo da inação se multiplica, a velocidade importa, muito.
Ainda que o debate energético seja ancorado em indicadores, modelos de projeção e parâmetros de eficiência, ele é, no fundo, sobre pessoas. Cada quilowatt economizado em um hospital garante continuidade de atendimento. Cada rua iluminada por LED aumenta a segurança pública. Cada ônibus elétrico reduz a exposição de milhares de cidadãos a poluentes. A transição energética urbana, por mais técnica que seja, carrega consigo uma profundidade emocional. Trata-se de garantir um ambiente seguro para as próximas gerações, de evitar perdas humanas evitáveis, de preservar a dignidade de comunidades vulneráveis, de proteger a vitalidade econômica local.
Por isso, é impossível dissociar o rigor técnico da força emocional. Uma cidade que investe em energia limpa não está apenas economizando recursos: está afirmando um compromisso ético com o seu próprio futuro.
A incorporação de sistemas solares em prédios públicos, a modernização da iluminação urbana, a redefinição dos padrões construtivos, a eletrificação do transporte coletivo, a ampliação do acesso a fontes renováveis e a utilização intensiva de tecnologias para eficiência energética são exemplos de ações que geram impacto direto, mensurável e rápido. Isso não é retórica ambiental. É planejamento estratégico. É política pública. É desenvolvimento econômico. É saúde coletiva.
O debate global continuará sendo essencial, mas sua lentidão já não pode ser o ritmo das soluções. Enquanto países discutem metas distantes, as pessoas enfrentam riscos, chuvas intensas e temperaturas recordes. Enquanto tratados climáticos negociam redações diplomáticas, comunidades urbanas lutam para se adaptar a realidades que já chegaram.
A verdade incômoda é que o mundo inteiro parece cada vez mais difícil de mudar, mas as cidades, as nossas cidades, ainda estão ao alcance da decisão. Agir localmente deixou de ser opção, tornou-se “O Mapa do Caminho”.
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