O-sōji e os ODS: A limpeza como herança cultural

Desde criança, todo dia 30 de dezembro, lá em casa, fazíamos o O-sōji. Eu, meus irmãos, meus pais e minha vozinha nos organizávamos para a grande faxina. O mais levado do ano ficava com o banheiro e, para variar, sempre eu…

Depois, em 1991, quando fui trabalhar na construção civil no Japão, na empreiteira do primo do meu pai, reencontrei o O-sōji. Uma vez por mês, tudo parava: cada grupo limpava seu próprio espaço. Os engenheiros, inclusive, limpavam os banheiros dos trabalhadores. Confesso que fiquei impressionado.

Hoje, atuando com os ODS — Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, minhas reflexões sempre giram em torno de como esses hábitos, esse senso de coletividade e de pertencimento aos espaços compartilhados podem impactar positivamente nas metas globais da Agenda 2030.

Em um mundo que busca soluções para os desafios ambientais e sociais do século XXI, práticas culturais que promovem consciência, respeito e renovação ganham novo significado. No Japão, a tradição do O-sōji, a grande limpeza de fim de ano, é mais do que uma tarefa doméstica: é um ritual ancestral de purificação física, energética e espiritual, profundamente enraizado nas crenças do Xintoísmo e do Budismo.

A prática do O-sōji remonta a séculos atrás, quando a limpeza era vista como um ato de purificação para receber o novo ano com leveza e boas energias. No Xintoísmo, religião nativa do Japão, a pureza é um valor central, e a limpeza é considerada uma forma de afastar impurezas espirituais. Já no Budismo, a prática está ligada à ideia de desapego e renovação interior.

Durante o período Edo (1603–1868), o O-sōji tornou-se uma tradição consolidada entre famílias, templos e escolas. A faxina era feita não apenas para limpar o espaço físico, mas também para preparar o ambiente para receber os Toshigami, divindades que trazem sorte e prosperidade no ano novo.

A crença de que até objetos inanimados possuem energia, e que essa energia pode estagnar se o item não for usado ou cuidado, reforça o valor simbólico do O-sōji. No folclore japonês, há até histórias de objetos esquecidos que se transformam em espíritos ou monstros, como o kasa obake, um guarda-chuva que ganha vida após cem anos sem uso.

Hoje, o O-sōji é mais do que um ritual anual. Ele se manifesta no dia a dia:

– Nas escolas, crianças limpam suas salas como parte da rotina, desenvolvendo responsabilidade e respeito pelo espaço coletivo.

– Nos dōjōs, praticantes de artes marciais limpam o tatame antes e depois do treino, como forma de reverência.

– Em eventos públicos, como jogos de futebol, é comum ver torcedores recolhendo seu próprio lixo.

– Nos bairros, moradores se organizam para manter suas ruas limpas.

Essa prática cotidiana mostra que, no Japão, a limpeza é uma expressão de cidadania, espiritualidade e ética coletiva. E isso impacta diretamente diversos ODS e indicadores socioambientais. Seguindo essa lógica, o Dia Mundial da Limpeza, que acontece no dia 20 de setembro, traz os conceitos do O-sōji para a prática coletiva e global.

Nota
Teve duas vezes que estava como liderança em ambiente de trabalho e ficamos sem equipe de limpeza… fui lá e mandei ver, as equipes ficaram impressionadas; fez um bem danado ter feito, muitos se tornaram colaborativos e a grande maioria, uma admiração enorme por mim.

Fábio Tatsubô
Coordenador Regional BS do Movimento Nacional ODS SP

Artigo publicado no Jornal da Orla:
https://jornaldaorla.com.br/noticias/jornal/19-setembro-2025-n-3-173/


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