Artigo ODS no Jornal da Orla, todos os dias 17 do mês
Sou filho de imigrantes japoneses, okinawanos. A primeira geração da minha família nascida em solo brasileiro. Meus pais desembarcaram por aqui nos anos 1950, na última grande onda migratória pós-Segunda Guerra. Muito do que aprendi com eles e com minha avó — desde a infância — tem guiado minha trajetória ligada aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. Palavras como motainai, ikigai, gambatê e ki o tsukete não são apenas expressões, mas princípios que ressoam profundamente nessa caminhada.
Neste artigo, compartilho reflexões sobre Kizuna (絆), um termo japonês que representa ligações humanas profundas: conexões construídas a partir da empatia, da confiança e da reciprocidade. Muito além de relacionamentos superficiais, kizuna traduz a força que emana dos vínculos verdadeiros — aqueles que nos sustentam em momentos de dificuldade e nos conectam ao coletivo. Na tradição japonesa, essas relações são alicerces da convivência social e emocional, gerando pertencimento, reforçando identidades e inspirando transformações.
A capacidade de se colocar no lugar do outro é uma das engrenagens principais dessa filosofia. A empatia, nesse contexto, se torna prática cotidiana: escutar com atenção, respeitar os processos individuais e cuidar com presença. É nesse ambiente — nutrido por afeto e respeito mútuo — que kizuna floresce.
Em março de 2011, o Japão foi atingido por um dos piores desastres naturais de sua história. Terremoto, tsunami e a crise nuclear deixaram marcas profundas. E foi nesse cenário que o mundo presenciou a força dos laços humanos. Mais de 130 países se uniram em solidariedade ao povo japonês. Em resposta, o então primeiro-ministro Naoto Kan escreveu a carta intitulada “Kizuna – Os laços da Amizade”. A escolha dessa palavra como título expressa a dimensão do gesto: símbolo de união e compaixão que ultrapassa fronteiras. Kizuna tornou-se, naquele ano, o ideograma mais representativo para os japoneses.
Essa rede de apoio é o que os ODS procuram fomentar. Os Objetivos 17, 16, 11 e 3 ilustram bem esse princípio: parcerias globais, instituições acolhedoras, cidades resilientes e cuidado integral com a saúde. São expressões concretas de cooperação e cuidado coletivo.
Naoto Kan encerra sua mensagem com uma verdade universal: “Um amigo na necessidade é um amigo de verdade.” Talvez esse seja o cerne do que o kizuna nos ensina — estar presente de forma genuína, reconhecer o outro como extensão de nós mesmos.
Mesmo diante da expansão tecnológica e da interatividade virtual, o espírito de kizuna continua relevante. Ferramentas digitais aproximam, mas também nos desafiam a manter relações autênticas. Construir vínculos profundos, apesar da velocidade do mundo, é um ato de resistência emocional e social. Os laços humanos são o verdadeiro alicerce do desenvolvimento sustentável.
Na cultura pop japonesa, essa temática é amplamente explorada. Em animês, mangás e filmes, o poder das conexões é peça central. Em obras como Naruto, vemos essa força manifestada nos relacionamentos entre mestres, companheiros e adversários. Mesmo em meio a conflitos, os personagens revelam que a profundidade das relações pode superar qualquer adversidade.
No mundo corporativo, esse conceito também ocupa o espaço. Ambientes profissionais que cultivam respeito, colaboração e confiança entre colegas criam equipes mais coesas e produtivas. Estimular diálogos sinceros e valorização mútua transforma o clima organizacional, promovendo inovação e bem-estar. É quando os ODS deixam de ser teoria e passam a habitar a cultura das instituições.
Por fim, os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, criado pela ONU em 2015 com metas até 2030, não representam apenas metas universais. Eles nos convidam a exercer nossa humanidade. Construir pontes, fortalecer elos e agir com consciência coletiva é parte do compromisso que assumimos ao buscar um futuro mais justo. Kizuna é, sem dúvida, ODS na prática.
Fábio Tatsubô
Movimento Nacional ODS SP – Comitê Santos
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