Em uma era de informação abundante e de rápida circulação, as redes de desinformação emergem como uma ameaça complexa e coordenada, especialmente em debates como a crise climática. Ergon Cugler, pesquisador em desinformação e políticas públicas do Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia (IBICT), explicou, em entrevista ao Instituto Claro, como essas redes operam para espalhar dúvidas sobre a responsabilidade humana nas mudanças climáticas, enfraquecendo a urgência do tema e desmobilizando a sociedade.
Cugler destaca que essas redes interagem com outras comunidades conspiratórias, validando e amplificando suas narrativas. O impacto, de acordo com o pesquisador, vai além da descrença no aquecimento global, afetando diretamente a formulação de políticas públicas e a alocação de recursos para enfrentar a crise.
Diante disso, o mestre em Administração Pública e Governo propõe um combate à desinformação que envolva a contenção em parceria com as plataformas digitais, a educação midiática para prevenção e a investigação de práticas ilícitas. Para ele, a promoção da integridade da informação é fundamental para enfrentar esse desafio e garantir um futuro mais sustentável e informado.
O que são redes de desinformação? Como funcionam?
A primeira característica da desinformação é que ela é uma informação. Segundo lugar, ela é uma informação falsa ou tirada de contexto. E em terceiro lugar, ela tem uma intenção por trás de desinformar, seja financeira, seja até uma intenção política, às vezes.
Existem algumas situações em que pode ter uma sátira, um conteúdo para fazer uma piada, e isso até está na margem da liberdade de expressão. Mas a desinformação é quando tem um objetivo malicioso por trás. Então tem alguém lucrando com aquilo, tem alguém desinformando.
E quando vamos observar as comunidades digitais, por exemplo, nas próprias redes sociais, vemos um volume muito grande e coordenado dessa desinformação. Então é curioso porque essa disputa que acontece no ambiente digital, ela tem se manifestado em várias áreas, desde a moda à cultura, desde o esporte à política, e quando falamos de temas tão sensíveis quanto saúde, democracia, mudanças e emergência climática, também vemos esses temas surgindo.
Como as redes de desinformação agem na crise climática?
O argumento que as teorias da conspiração sobre crise climática vão usar é de que nenhum desses problemas que vemos de mudanças climáticas no planeta seriam de responsabilidade do ser humano, mas seriam supostamente efeitos naturais que aconteceriam ao longo do tempo e que a gente não teria absolutamente nada para lidar em relação a isso.
Quando olhamos para os grupos de teorias da conspiração, por exemplo, sobre mudanças climáticas, o que vemos são pelo menos três coisas. Primeiro, eles conseguem disseminar em alta velocidade os conteúdos, então conseguem fazer uma propagação muito ágil. Em segundo lugar, eles compartilham informações e conteúdos com outras comunidades, seja de outras teorias da conspiração, seja que falam de temas próximos, de terra plana, de nova ordem mundial, de antivacina, vários outros temas, mas em terceiro lugar, eles referenciam a própria rede o tempo todo como validação.
Ou seja, tem conteúdos gerados por outras comunidades de teorias da conspiração sobre mudanças climáticas, como referência, como fonte para dizer que, ‘vejam só, a verdade estaria aqui supostamente revelada’. Então, quando falamos de mudanças climáticas, a principal preocupação é porque é um tema que, às vezes, aparece de muito longe da gente, não conseguimos sentir na pele todos os dias.
Se você dá uma desinformação sobre saúde e tomar um medicamento errado, você vai ficar individualmente doente. Se você dá uma desinformação sobre qualquer outro tema de acesso a serviço público, de democracia, você pode ver o efeito na sua frente. Quando falamos de mudanças climáticas, esse efeito pode levar 10, 20, 50 anos. E aquela pessoa que está propagando a desinformação, pode ser que nem veja os efeitos daquilo.
A desinformação prejudica o combate às emergências climáticas?
Quando tem uma desinformação sobre mudanças climáticas, o efeito direto é dizer para o Estado, ‘olha, não é todo mundo da sociedade que acredita nisso’. Então, podem usar o dinheiro para outras coisas que seriam supostamente mais importantes para fazer. Isso acaba secundarizando a pauta das mudanças climáticas da própria administração pública, muitas vezes. Sai de cena ali como uma emergência, já que o nome é esse, emergência climática.
Um outro efeito direto é fazer com que pessoas deixem de acreditar. Mas não só em que as mudanças climáticas são de responsabilidade dos seres humanos, mas deixem de acreditar que existe algo a ser feito.
Tem muitas pessoas que até acreditam, ‘olha, mudanças climáticas estão acontecendo’. Mas no patamar que estamos, com tudo isso que recebo, e desinformações sobre esse tema, parece que não tem nada a ser feito. Isso desmobiliza as próprias pessoas de pensarem em alternativas.
A consequência é deixar de ter orçamento público destinado para enfrentamento a mudanças climáticas. É deixar de ter pessoas fiscalizando temas como esses. Então, tem um impacto direto na própria percepção que temos de sociedade.
Afeta também o orçamento do quanto vamos investir para poder prevenir desastres climáticos, por exemplo. Sempre gosto de fazer essa reflexão, o Estado é uma disputa constante de orçamento. E muito legítima, inclusive, porque tem coisas na educação que são muito importantes, tem coisas na saúde que são muito importantes, tem coisas na segurança pública que são muito importantes.
Todas as pautas vão ter grupos sociais disputando para ter cada vez mais recursos, porque, de fato, tem coisas muito importantes. Então, a percepção das mudanças climáticas é mais um elemento nessa disputa e a desinformação sobre o tema enfraquece a pauta da crise climática para poder disputar orçamento público e fazer políticas públicas que melhorem a nossa qualidade de vida em frente ao aquecimento global.
Quando pensamos em situações de catástrofes, por exemplo, mais alarmantes, o próprio caso do Rio Grande do Sul, tem várias desinformações que podem até bagunçar a solução da hora de você tentar resolver. Enquanto pessoas tentavam socorrer, tinham desinformações dizendo que doações não poderiam entrar, supostamente, no Estado. Enquanto pessoas estavam indo para uma cidade, tinham desinformações dizendo que tinha enchente em outra cidade, até para assustar pessoas que estavam no entorno.
Com isso, o próprio poder público, pensando em bombeiros, policiais, exército, quem está ali para ajudar a situação, pode ficar desnorteado, porque você tem um alerta para algo que não é verdadeiro. Mas as pessoas, além do poder público, podem ficar todas dispersas no que fazer.
As mudanças climáticas são um fato. Temos evidências em todo o mundo de como elas têm afetado as nossas vidas. E quando não tem um Estado que se compromete com o enfrentamento, emergências podem gerar até mais impactos ainda na vida das pessoas. A emergência climática do Rio Grande do Sul, várias mudanças de temperatura que a gente tem tido, ondas de calor, de sensação térmica de quase 60 graus no Rio de Janeiro, por exemplo, são evidências de que, se não temos um planejamento imediato, depois não adianta dizer que ninguém avisou.
É possível combater desinformação climática?
Costumo dizer que tem três formas de fazer um enfrentamento à desinformação. A ONU e a Unesco, inclusive, têm dito sobre promover a integridade da informação. Porque assim, não falamos somente de combater algo, mas de promover um direito à integridade da informação, combatendo, portanto, a desinformação.
E para combater a desinformação e promover a integridade da informação, podemos trabalhar, primeiro, na contenção de desinformações, trabalhando junto com as próprias plataformas de redes sociais, pensando alternativas junto com elas de como evitar a disseminação de desinformação. Em segundo lugar, pensando na prevenção, ou seja, educação midiática, é você, desde os pequenos, nas escolas, ensinar como lidar e como interagir com a desinformação. E, em terceiro lugar, a própria autuação, muitas vezes.
Tem casos que são maliciosos, de pessoas tentando lucrar em cima da propagação, tentando vender um produto em cima de uma tragédia, tentando aplicar um golpe em cima de uma desinformação. A liberdade de expressão precisa ser preservada, só que a liberdade de expressão vai até a vírgula, em que um crime é cometido. Então, se isso acontece, a gente precisa de uma atuação para investigar.
Então, por isso que sistematizo que precisamos dessas três frentes. A contenção em parceria com as plataformas, a prevenção com a educação midiática, e, em terceiro lugar, uma investigação junto com os órgãos competentes, quando a gente tem práticas de crimes e ações ilícitas, visando lucrar em cima da tragédia alheia.
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